24 novembro 2006

Será k a lguagem ds testes tá a mudar?

(Público, 19 de Noembro de 2006)

"Os alunos são cada vez mais escravos do telemóvel. Não só do aparelho como do código que utilizam para enviar mensagens escritas. Timidamente, nos cadernos, nos trabalhos escolares e até nas provas começam a aparecer os "k" e os "x". Não muito, porque contam como erros ortográficos e os estudantes são penalizados. Na Nova Zelândia já é permitido escrever assim nos exames do secundário. Prenúncio do futuro ou "um disparate"?

Marlene pousa os livros e o dossier no parapeito de uma das janelas que dão para o pátio interior da Escola Secundária de Gil Vicente, em Lisboa. Abre o dossier e começa a folhear rapidamente as folhas, muito limpinhas, com as lições organizadas, até que pára numa de rascunho, escrita a lápis. Aponta satisfeita: em vez de "cheia", lê-se "xeia"."Krs ir ao cinema?", "Goxt mt ti", "Curti akela cena" são algumas das expressões que adolescentes e jovens escrevem furiosamente nos telemóveis e na Internet. Mas até que ponto essa linguagem é transposta para outras situações de escrita, como os cadernos diários, os trabalhos ou mesmo os exames nacionais? Será que a linguagem dos testes está a mudar? Será k a lguagem ds testes tá a mudar?Já há pelo menos um país, a Nova Zelândia, que decidiu autorizar o uso destas abreviaturas nos exames do ensino secundário (ver caixa).João Costa, presidente da Associação Portuguesa de Linguística, não hesita: a medida neozelandesa "é um absurdo". "Esse é um código legítimo, mas que não deve ser adequado ao contexto formal de escrita", afirma.Em Portugal, dizem vários professores, os alunos do 12.º ano ainda não caem na tentação de transpor para os exames essa linguagem, até porque podem perder pelo menos dois em 20 valores. Mais: por cada erro de sintaxe perdem dois pontos, um por cada erro ortográfico e 0,5 pelos de acentuação ou mau uso de letra maiúscula. Feitas as contas, "se em vez de 14 tiverem 12 valores, vão pensar duas vezes antes de usar abreviaturas", garante uma professora correctora, de Lisboa. Já os miúdos do 9.º ano revelam ter menos cuidado, aponta Ana de Sousa, professora do ensino básico, em Odivelas, que já corrigiu exames nacionais. Também no exame de Português do 9.º ano os alunos podem perder cerca de cinco por cento se cometerem erros.Mas se nos exames não se revelam os "mt" para "muito", o "td" para "tudo" ou o "k" para "que", já nos testes, nos trabalhos escritos e nos cadernos são mais comuns, confirmam alguns professores de Português, História e Geografia ouvidos pelo PÚBLICO.Corrigir antes de entregarBonita, de blusão branco curto e calças de ganga estreitas, Marlene Santos, 16 anos, aluna do 12.º ano na Gil Vicente, em Lisboa, conta que às vezes não resiste às abreviaturas quando escreve mais rapidamente. "Uso os "x", em vez dos "s", "ç" ou "ch"." Já aconteceu nos testes. "Mas antes de entregar a prova volto sempre atrás e corrijo, porque tudo conta para nota."O "x" também aparece nos cadernos de Ricardo Oliveira, 16 anos e no 9.º ano da mesma escola. "Estou habituado e quando é ditado a Português acabo por escrever "x", mas depois uso o corrector", explica. "Se se usarem abreviaturas nos testes, conta como um erro de ortografia e os professores descontam", sabe Patrícia Lajas, de 15 anos, no 9.º ano, que não usa sequer abreviaturas nas mensagens que manda por telemóvel. "Há uma ou outra distracção. Como professora de Português, não ignoro e assinalo como se fosse um erro ortográfico; depois os alunos têm de corrigir entre cinco a dez vezes", conta Ana de Sousa, que dá aulas na EB 2,3 António Gedeão, em Odivelas.Na Gil Vicente, em Lisboa, duas professoras do secundário, uma de Português e outra de Geografia, dizem que "volta e meia" aparece uma ou outra abreviatura, mesmo em trabalhos escritos. "Os alunos são um pouco escravos do telemóvel. Às vezes, nos testes, aquilo sai-lhes, é espontâneo e nem dão conta. É um hábito já adquirido", diz a docente de Geografia, que pede para não ser identificada. Vera Santos, Sara Gonçalves e Paulo Proença, todos com 16 anos e no 11.º ano da mesma escola, dizem não usar abreviaturas nos cadernos porque "os professores não querem". "Às vezes acontece, principalmente nas aulas de Física, porque o professor fala muito depressa e não repete", comenta Vera, provocando o riso dos amigos, que confirmam fazer o mesmo. Preservar a normaNuma escola da Lourinhã, Pedro Damião lecciona Geografia no 3.º ciclo e nunca deu "pelo problema". "No ano passado, em nove turmas, apenas um aluno, que era viciado no SMS [Short Message Service] e no Messenger, usou uma expressão num teste. Imediatamente assinalei."Essa é a função dos professores, defende o presidente da Associação Portuguesa de Linguística. "Ensinar a preservar a norma." Os docentes devem ter um "sólido conhecimento da língua para poder contrariar esta escrita imediatista", acrescenta. Quanto aos alunos, têm de perceber que "a tarefa da escrita é complexa, dá muito trabalho" e não se resume ao envio de mensagens.João Costa, linguista e professor na Universidade Nova de Lisboa, não tem dúvidas de que os estudantes passam horas a ler e a escrever mensagens, mas essa é "uma leitura e escrita de baixa qualidade" - os docentes e os pais devem por isso "insistir muito para que escrevam no português correcto", insiste.Sentada no átrio de entrada principal da Gil Vicente, com um ar sério, Regina Silva, 14 anos, 9.º ano, garante que não usa abreviaturas em nada do que escreve na escola. Para ela simplesmente não faz sentido utilizar a linguagem SMS nos cadernos porque ter uma caneta na mão é muito diferente de escrever no teclado do computador, onde se procura responder de imediato aos outros que estão em linha - explica por poucas palavras. Este tipo de escrita codificada, que muitos pais e professores reconhecem não compreender, foi criada pelos mais jovens com o objectivo de poupar caracteres nas mensagens, para poupar tempo e dinheiro.

Nova Zelândia legitima abreviaturas nos exames do secundário
"2moro" para "tomorrow" ou "gr8" para "great" são duas das muitas abreviaturas usadas pelos estudantes neozelandeses. A txt speak - designação para o código usado na escrita em teclado, seja no telemóvel ou no computador - é como que uma segunda língua para centenas de milhares de adolescentes neozelandeses. Esta pode ser, adianta a imprensa do país, uma das justificações possíveis para a decisão do Governo de autorizar, já este ano lectivo, que os estudantes possam escrever assim nos exames no final do ensino secundário. A New Zealand Qualification Authority (NZQA), o organismo responsável pelos exames, desencoraja por um lado os estudantes a usar txt speak, sobretudo a Inglês e nas outras línguas; mas por outro afirma que serão cotadas as respostas que sejam perceptíveis, mesmo que o estudante tenha recorrido a abreviaturas. O fundamental é que os professores correctores compreendam o que foi escrito. "Para os alunos, a prioridade é que escrevam da forma mais clara possível", informou o porta-voz do organismo, Steve Rendle, citado pelo The New Zealand Herald.Para o Partido Nacional, na oposição, a decisão é "ridícula". "Em vez de exigir elevados padrões na sala de aula, o ministro da Educação e o NZQA estão a tentar parecer muito cool aos olhos dos alunos", afirmou o porta-voz do partido, Bill English. A Associação de Professores Pós-Primários considera que a decisão reflecte um problema com que os docentes se confrontam diariamente na sala de aula e contra o qual lutam. Agora temem que possa tornar a linguagem SMS aceitável em todos os trabalhos e provas. Há escolas que já vieram a público dizer que vão insistir junto dos alunos para que continuem a escrever em inglês correcto. B.W.
JOVIANA BENEDITO "A minha experiência é que os bons alunos não se enganam"
Professora de Português do ensino secundário aposentada, Joviana Benedito é autora de alguns livros, entre os quais se incluem dois dicionários sobre a linguagem utilizada pelos mais jovens nos telemóveis e na Internet. Continua a ir às escolas, agora para falar sobre o tema.Os estudantes têm tendência a transpor a linguagem abreviada para as actividades lectivas?Há quem o faça, porque se engana. A minha experiência é que os bons alunos não se enganam. São também eles que fazem as melhores reduções [abreviaturas] da língua portuguesa para os SMS, porque conhecem bem o funcionamento da língua e os seus limites. Na escola também são eles que escrevem melhor, pela mesma razão. Entre os mais jovens, nunca se leu nem se escreveu tanto. O problema é que não é o conceito correcto de leitura e escrita.O uso deste código pode prejudicar a aprendizagem dos alunos?Se não conseguirem controlar o seu uso na escola, prejudica. E é motivo de preocupação para os professores, porque muitos não percebem o que eles escrevem. Os estudantes estão a escrever cada vez pior e é preciso que os docentes os impeçam e os corrijam porque a língua tem regras. A Internet é um espaço de liberdade onde eles escrevem como quiserem e fazem-no num código que só eles e os amigos percebem. Um problema que se pode pôr é que os jovens vão demorar mais anos para estruturar o pensamento no que diz respeito a leituras mais seguidas ou a uma escrita mais correcta. Porque a linguagem SMS não vai evoluir para uma boa escrita. Essa é o português padrão que temos. É natural que a língua vá mudando, porque é um corpo vivo, mas não se desestrutura.Concorda que em Portugal os alunos possam usar essa linguagem nos exames?Não me escandalizaria que pudesse ser usado nalgumas disciplinas, mas não em exames de Língua Portuguesa ou de Literatura. Para isso, seria preciso formar correctores!"

10 novembro 2006

Já tinha reparado nisto há algum tempo... (já agora: enviem uma cópia ao Ministério da Educação!)

Aumento da violência nas escolas reflecte crise de autoridade familiar
10.11.2006 - 13h51 Lusa

Especialistas em educação reunidos na cidade espanhola de Valência defenderam hoje que o aumento da violência escolar deve-se, em parte, a uma crise de autoridade familiar, pelo facto de os pais renunciarem a impor disciplina aos filhos, remetendo essa responsabilidade para os professores.
Os participantes no encontro "Família e Escola: um espaço de convivência", dedicado a analisar a importância da família como agente educativo, consideram que é necessário evitar que todo o peso da autoridade sobre os menores recaia nas escolas."As crianças não encontram em casa a figura de autoridade", que é um elemento fundamental para o seu crescimento, disse o filósofo Fernando Savater."As famílias não são o que eram antes e hoje o único meio com que muitas crianças contactam é a televisão, que está sempre em casa", sublinhou.Para Savater, os pais continuam "a não querer assumir qualquer autoridade", preferindo que o pouco tempo que passam com os filhos "seja alegre" e sem conflitos e empurrando o papel de disciplinador quase exclusivamente para os professores.No entanto, e quando os professores tentam exercer esse papel disciplinador, "são os próprios pais e mães que não exerceram essa autoridade sobre os filhos que tentam exercê-la sobre os professores, confrontando-os", acusa."O abandono da sua responsabilidade retira aos pais a possibilidade de protestar e exigir depois. Quem não começa por tentar defender a harmonia no seu ambiente, não tem razão para depois se ir queixar", sublinha.Há professores que são "vítimas nas mãos dos alunos"Savater acusa igualmente as famílias de pensarem que "ao pagar uma escola" deixa de ser necessário impor responsabilidade, alertando para a situação de muitos professores que estão "psicologicamente esgotados" e que se transformam "em autênticas vítimas nas mãos dos alunos".A liberdade, afirma, "exige uma componente de disciplina" que obriga a que os docentes não estejam desamparados e sem apoio, nomeadamente das famílias e da sociedade."A boa educação é cara, mas a má educação é muito mais cara", afirma, recomendando aos pais que transmitam aos seus filhos a importância da escola e a importância que é receber uma educação, "uma oportunidade e um privilégio"."Em algum momento das suas vidas, as crianças vão confrontar-se com a disciplina" , frisa Fernando Savater.Em conversa com jornalistas, o filósofo explicou que é essencial perceber que as crianças não são hoje mais violentas ou mais indisciplinadas do que antes; o problema é que "têm menos respeito pela autoridade dos mais velhos"."Deixaram de ver os adultos como fontes de experiência e de ensinamento para os passarem a ver como uma fonte de incómodo. Isso leva-os à rebeldia", afirmou.Daí que, mais do que reformas dos códigos legislativos ou das normas em vigor, é essencial envolver toda a sociedade, admitindo Savater que "mais vale dar uma palmada, no momento certo" do que permitir as situações que depois se criam.Como alternativa à palmada, o filósofo recomenda a supressão de privilégios e o alargamento dos deveres.